Crise social alimenta clima de xenofobia na Grécia

09-12-2012

«Aurora é um gang nazi. Fora do parlamento! Expulsa os fascistas de todos os bairros!» [imagem de Menelaos Mich]
«Aurora é um gang nazi. Fora do parlamento! Expulsa os fascistas de todos os bairros!»
[imagem de Menelaos Mich]
 

As ruas da Grécia assistem, desde Maio/2012, a um clima de intimidação e violência gratuita, que culminou com o assassínio brutal de um jovem marroquino de 19 anos, no exterior de uma mesquita improvisada, em Agosto. O crime, perpetrado por cinco motociclistas reincidentes em ataques a imigrantes, chocou a Grécia mas colocou a nu as insuficiências de um sistema judicial desconexo, afectado, em grande parte, pela crise que assola o país. Desde então, as perseguições a imigrantes têm sido uma constante no quotidiano grego, com repressões orquestradas através da força, muitas vezes legitimadas pelas políticas de anti-imigração impostas pelo governo de Samaras e com o beneplácito da União Europeia. O Estado grego, mergulhado na desorientação social e económica da austeridade, fez da política de imigração uma prioridade que tem impulsionado o cenário xenófobo um pouco por todo o país: em Iráclio, Creta, um grupo de paquistaneses foi atacado; em Pireu, lojas de imigrantes foram repetidamente vandalizadas; na capital, Atenas, um imigrante albanês foi ferido pelas costas por um motociclista mascarado. A esmagadora maioria dos visados são provenientes do Bangladesh, Afeganistão, Paquistão e Somália. Enquanto as directrizes políticas do partido da Nova Democracia se centram cada vez mais no combate à imigração ilegal e na deportação de pessoas consideradas «não-gregas», as ruas e as praças tendem a esvaziar-se por medo da violência imposta, ao passo que a lotação dos campos de detenção para imigrantes ilegais crescem a olhos vistos.

Filhos de imigrantes no campo de detenção em Filakio [fonte: Nikolas Giakoumidis]
Filhos de imigrantes no campo de detenção em Filakio
[fonte: Nikolas Giakoumidis]

Os «degradantes» campos de detenção

Em ambiente de eleições legislativas, decorrido o mês de Maio, o governo de Papandreou planeava inaugurar um total 30 campos de detenção para imigrantes ilegais, com capacidade para albergar perto de 30.000 pessoas, dias antes de o eleitorado grego ir às urnas. Crianças, pobres e exilados políticos não seriam excepção neste processo de captura chamado «Xénio Zeus», que mobilizou 5000 polícias com o objectivo varrer das ruas todos os imigrantes não legalizados, grupo que, subitamente, é o alvo central das preocupações de um Estado economicamente falido. Volvido o período eleitoral, vencido pela Nova Democracia, as operações policiais mantiveram um ritmo acelerado, tendo até ao dia de hoje sido detidas cerca de 44.000 pessoas, albergadas em campos de detenção especialmente construídos para o efeito.

A política anti-imigração tem espalhado um clima de tumulto pelas ruas, onde a lei da polícia facilmente se confunde com a ordem coerciva e abusiva dos gangues que patrulham os subúrbios, apoiados pelo partido Aurora Dourada. Os detidos, esses, são muitas vezes presos com base na sua aparência, sendo esta suspeita confirmada com a disparidade entre o número de detidos temporários e o número de prisões definitivas. «Apesar de ter o direito de controlar a imigração, a Grécia não pode tratar as pessoas na rua como criminosas simplesmente devido à cor da sua pele», diz Jezerca Tigani, directora do Europe and Central Asia Programme. Além do problema da actuação arbitrária das autoridades, acresce o das condições degradantes de sobrepopulação a que os imigrantes são sujeitos nos locais de detenção: um dos detidos disse à Amnistia Internacional que fora mantido num quarto com 170 pessoas onde a maioria dormia no chão e mal lhe era dado acesso a água e mantimentos. «Estas rusgas policiais violam os direitos humanos e devem parar imediatamente», defende Tigani.

Centros de detenção como os de Filakio (conhecido com a Guantánamo da Grécia), Ellinikos (onde em Julho/2011 um imigrante ilegal morreu por negligência de cuidados médicos) ou Evros (perto da fronteira com a Turquia) são já bem conhecidos pelas decadentes condições de vida que oferecem, como atestava a organização Médicos Sem Fronteiras, ainda em 2011: «A maioria dos imigrantes que tratamos não estava doente à altura da entrada nos campos de detenção», afirmou Ioanna Pertsinidou, coordenadora do projecto de apoio aos imigrantes na Grécia. Na maioria dos centros «não existe sequer um médico ou qualquer outro membro de apoio local que tenha acesso» e é «usual os detidos verem negados os pedidos de contacto ou de ajuda», como se pode ler na compilação de dados feita pela organização não-governamental Pro Asylum em colaboração com o Conselho Grego para os Refugiados, intitulada Walls of Shame: The detention center in Evros.

Manifestantes agrupam-se em Monastiraki [fonte: Global Voices Online]
Manifestantes agrupam-se em Monastiraki
[fonte: Global Voices Online]

O racismo nas ruas e a complacência da polícia

O flagelo da discriminação racial tem sido uma das mais perigosas faces da crise instalada na Grécia. A perseguição aos imigrantes tem sofrido um aumento significativo, impulsionado pelas orientações punitivas dos governos, primeiro de Papandreou e depois de Samaras, em relação aos habitantes clandestinos que povoam o país. Enquanto os dados do ministro da Protecção do Cidadão Grego reflectiam a contundência das acções por parte das autoridades (13.475 imigrantes sem documentos foram deportados nos primeiros dez meses do ano), os encarcerados demonstravam a sua indignação, no centro de detenção de Orestíada, pela aprovação do decreto que permitia a extensão do período de detenção de imigrantes ilegais até um ano. A escalada de violência é confirmada pelo relatório da ONU, que analisa resultados «excepcionalmente alarmantes»: 87 ataques racistas registados desde o início de 2012 até ao mês de Setembro, embora números não oficiais apontem para 500 entradas em hospitais devido a investidas racistas nesse mesmo período de tempo. O momento turbulento que o país vive não passou despercebido à atenção da Amnistia Internacional e do Human Rights Watch, que classificaram o tratamento dos imigrantes clandestinos, por parte da polícia, como uma «repressão massiva e ilegal», acusando-a inclusivamente de submeter os detidos a «condições degradantes e desumanas».

Os casos de racismo violento por parte de seguidores do Aurora Dourada são já uma rotina. Em Junho/2012, na localidade de Pireu, um ataque atroz feito por vários motociclistas vandalizou carros e tentou forçar a entrada nas habitações, lançando engenhos explosivos. Um dos visados, Abouz Mubarek, egípcio de 24 anos, foi espancado ferozmente e teve de ser hospitalizado. Apesar da brutalidade do acto, nenhum perito forense analisou o local do crime e os seis suspeitos foram libertados três dias depois. A série documental Our Present is Your Future narra também o dia-a-dia de imigrantes, através de testemunhos na primeira pessoa, e a sua batalha contra o racismo sofrido na pele: «Eles não querem saber de nós. Há demasiados racistas aqui. Às vezes temos medo de sair à rua» diz Suwareh Ousman, imigrante de 18 anos, proveniente da Gâmbia. Já Ismail Ismail faz a comparação com a guerra vivida no seu país natal, a Somália: «Não nos sentimos seguros porque temos medo da polícia, das pessoas, portanto, não somos livres. É como se estivéssemos ainda na guerra…»

Este sentimento de insegurança é analisado por Lomani, coordenador da Rede Social de Apoio aos Imigrantes e Refugiados, de forma bastante crítica: «Quando estás em Atenas, uma capital europeia, e não podes sair por poderes ser atacado, não há diferença entre viver em Atenas ou em Gaza, no Irão ou na Somália». Além do medo, muitos imigrantes sofrem uma exclusão que agravada pela falta de cuidados médicos nas urgências dos hospitais e pelo assédio da polícia, chegando inclusivamente a serem detidos sem razões para tal.

Manifestantes bloqueados na rua Panepistimiou [fonte: Global Voices Online]
Manifestantes bloqueados na rua Panepistimiou
[fonte: Global Voices Online]

Os movimentos antifascismo

A Europa começa, gradualmente, a despertar para uma nova realidade que assola a sua cultura: a ascensão de ideologias de extrema-direita, fenómeno que tem cada vez mais visibilidade e do qual não faz parte apenas a Grécia. Grande parte da opinião pública é induzida a julgar os imigrantes consoante o seu estatuto económico, contribuindo esse preconceito para o aumento da xenofobia entre a população, como afirma Kostis Papaioannou, antigo presidente da Liga Helénica dos Direitos Humanos: «Se um estrangeiro é ou não aceite pela sociedade, isso depende do seu estatuto económico. Ninguém objectaria se um xeque árabe passe férias na Grécia, mas se for um pobre paquistanês, o caso muda de figura…» Como resposta a isto, vários movimentos de cidadãos preocupados têm-se formado com o intuito de travar a influência xenófoba e antidemocrática que grassa em países como a Áustria, Bulgária, Hungria, Holanda, França, Alemanha, Inglaterra. Um desses movimentos, o European Grassroots Anti-Racism Movement (EGAM), fundado em 2010, tem como propósito o activismo civil e o reforço da estrutura social anti-semita na Europa. Tem raízes em quarenta países do continente e a sua acção foca-se na promoção do debate democrático no âmbito dos direitos inalienáveis do ser humano, numa luta contra o racismo que, como afirmam em seu manifesto, «está a avançar e a obter vitórias eleitorais por toda a Europa».

O movimento tem dado particular importância à crise grega, que ganhou relevo com o impulso do partido neonazi Aurora Dourada, nas últimas eleições: a vontade de afastar a deputada neonazi Eleni Zaroulia (considerou os imigrantes como «sub-humanos») das instâncias europeias, expressa numa carta aberta endereçada ao primeiro-ministro Samaras, foi, até hoje, contornada pelo executivo com a complacência da União Europeia, facto que deixa perplexa a direcção da EGAM. Um novo protesto anti-racismo está agendado para o dia 15 de Dezembro, onde a palavra de ordem é «Basta!». Na declaração do movimento pode-se ler a mensagem: «Basta de ataques racistas! Basta de conluios entre a polícia e os arruaceiros neonazis da Aurora Dourada! Basta de semitismo e de declarações negando o holocausto! Basta desta passividade do sistema jurídico!» Para Benjamin Abtan, presidente do European Grassroots Anti-Racism Movement, o partido neonazi (que tem um símbolo semelhante à suástica e emprega saudações hitlerianas) tem o sentimento de poder permitido pelas instâncias governamentais nacionais e europeias, que se demitem de zelar pelo bem-estar das democracias do continente. Também o KEERFA (United Against Racism and Fascist Threat) tem tomado as rédeas dos protestos contra o racismo e o fascismo, convocando várias marchas (Atenas, Patras, Iráclio, Salónica, com a cooperação regular do Sindicato de Trabalhadores Imigrantes), organizando conferências sobre a problemática da violência e discriminação exercida contra imigrantes e pessoas de orientação política de esquerda. Além disso, o KEERFA reporta e denuncia ataques contra as minorias na Grécia (ataques a paquistaneses são usuais), expondo a actuação bárbara da extrema-direita e descrevendo o Aurora Dourada como uma organização «paramilitar neonazi» e considerando que o fascismo «não tem lugar no parlamento».

Manifestantes na praça de Omonia [fonte: Global Voices Online]
Manifestantes na praça de Omonia
[fonte: Global Voices Online]

As acusações de abuso de poder

Muitos têm sido os relatos que colocam em xeque a credibilidade da polícia grega, devido a ataques injustificados e uso excessivo de força para com grupos de protesto conotados à esquerda. Membros de movimentos de cariz anarquista têm também denunciado, através de narrativas na primeira pessoa, os maus-tratos da polícia, que muitos consideram ser permissiva e amigável para com os ultranacionalistas de direita. No início de Novembro, essa permissividade permitiu a membros neonazis atacarem uma manifestação de esquerda em Metaxourgeio, Atenas, ferindo um dos participantes, que teve de ser internado. Confrontos como os que tiveram lugar na área de Agios Panteleimonas, também em Atenas, resultaram em confrontos com a polícia. Para além das 23 detenções efectuadas, ficou no ar a sugestão da parcialidade da força policial Delta no desenrolar dos acontecimentos. Muitos dos detidos são acusados de fazerem parte da Conspiracy Cells of Fire, uma organização radical anarquista classificada de terrorista pelo Departamento de Estado Americano, devido a acções de protesto com utensílios explosivos e incendiários, mas negam a acusação: Kostas Papadopoulos, Giorgios Karagiannidis, Alexandros Mitrousias, Kostas Saldas e Stella Antonion têm sido alvo da solidariedade dos movimentos de esquerda que contestam a justiça dos seus encarceramentos.

Relatos anónimos que descrevem a actuação da polícia e o seu comportamento abusivo e desumano foram publicados no site http://blog.occupiedlondon.org/ e são narrados por manifestantes, muitos deles motards, que faziam parte de uma marcha antifascista. Um deles, depois de ser levado para uma esquadra em Atenas, descreve um cenário simplesmente bárbaro: «Eles praguejavam, ameaçavam e esmurravam-nos ou batiam com as nossas cabeças contra a parede. O nível de tortura não se prendia apenas com o espancamento, mas também com as ameaças e tentativas de humilhação…»; um dos agredidos «sangrava da cabeça há horas, em constante dor, e não parava de pedir um médico. Sempre que falava, batiam-lhe mais». Na sequência destes relatos, e apesar das promessas de análise aprofundada por parte do governo grego, nenhuns factos foram investigados ou sequer punidos. As acusações de passividade, quer judicial quer legislativa, colocam o Estado no centro das atenções, à luz do alegado controlo de informação que teve o seu momento mais alto quando o jornalista grego Kostas Vaxevanis foi preso por divulgar uma lista repleta de personalidades que fogem ao fisco.

A Grécia encontra-se, para usar as palavras de Yorgos Mitralias, numa encruzilhada em que o próprio Estado se tem demitido, progressivamente, de actuar em conformidade com as leis que o edificam. O povo grego vai-se esboroando numa desunião que ameaça a via democrática e a equidade de tratamento. Transformada no «laboratório europeu das políticas neoliberais mais extremas», a Grécia enfrenta o resultado catastrófico de uma política de austeridade que não trouxe apenas marcas económicas: «o empobrecimento monstruoso da esmagadora maioria da população grega tem sido acompanhado de ataques recorrentes contra os direitos e as liberdades democráticas mais elementares, contra o regime democrático parlamentar e a soberania nacional», afirma Mitralias, comparando a sociedade grega actual à alemã da década de 30, acrescentando que «nada falta a esta semelhança, nem mesmo uma força neonazi, a Aurora Dourada, em plena ascensão, que em poucos meses conseguiu tornar-se o terceiro maior partido do país». A Grécia, ora forçada a actos contra si mesma, ora sujeita aos ditames económicos liberais, foi o primeiro sintoma de um problema que a Europa finge ou julga ainda não existir.

Fontes
Amnistia Internacional
Human Rights Warrior
Ekathimerini 
Yes, we are racist, opinion poll finds after debate , 16/1172012, por Maria Alafouzos 
International Detention Coalition 
Médicos Sem Fronteiras
Reel News
Athens Racist Attac, 15/6/2012 
Offxore \ IBTimes TV
Offxore \ From The Greek Streets
Act For Freedom Now!
Cadpp
Proposta (contra a ameaça neonazi), 08/09/2012, por Yorgos Mitralias
From The Greek Streets
Greek Reporter
Athens News
Racist violence escalates, 20/8/2012, por Dioni Vougioukli
Erepublik
Anti-Racism movement, 20/8/2012, por Andreas Bo
Stop Racism and Hate Collective
Initiative des Étudiants et travailleurs grecs à Paris
Innerstanding Isness
EGAM
Digital Journal
Coalition of Resistance
Hazara People
Passa Palavra
Demotix
KEERF denounce attack on Imam - Athens, 1/10/2012, por Giorgos Panagakis 
Public+i \ Global Voices Online
Pro Asyl
Artigo baseado em informação proveniente de movimentos sociais.
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