por Ana Azevedo
Nos últimos anos tem crescido o número de projectos de informação alternativos, sobretudo nos países do sul da Europa. Os repetidos despedimentos em massa de jornalistas e a carência de informação independente motivam os profissionais da comunicação a aventurarem-se por trilhos ainda pouco experimentados. Os resultados positivos começam a saltar à vista e a revelar possíveis soluções.
Jornalistas espanhóis despedidos abrem novos projectos
Que o poder dos meios de comunicação tem mão pesada já ninguém se atreve a negar. Quando alinhado com poderes políticos e económicos pode atingir proporções propagandísticas, como reflectiu, por exemplo, o filósofo Noam Chomsky. Mas no momento presente, marcado por graves atentados à liberdade de informação, o que muitos jornalistas têm procurado consolidar é o papel que o jornalismo pode ter de contrapoder, de contra-informação e de lugar de resistência.
A questão tornou-se quente nas últimas semanas, com a divulgação do lançamento de novas plataformas de informação espanholas, como o InfoLibre ou o La Marea. Os dois projectos estão a cargo de muitos dos trabalhadores despedidos de alguns dos mais conhecidos meios de comunicação do país – como o Público, o El País, ou a RTVE – que viram as suas portas serem encerradas.
La Marea (em português «A Maré») foi apresentada em Setembro como a publicação de uma cooperativa de trabalhadores da extinta versão impressa do jornal Público. Movida por uma necessidade de informação livre e construída a partir de um acordo baseado na autorregulação entre jornalistas e público, esta «maré» sugere, dizem os fundadores, «um movimento progressivo e expansivo», de uma «força imparável».
Financiada à partida por 500 contribuições iniciais, a cooperativa responsável, baptizada de MásPúblico, espera a adesão de novos sócios, mediante uma quota de mil euros e a possibilidade de tomar decisões sobre o meio de comunicação, assim como a subscrição dos leitores à prevista edição impressa.
Saído também do esforço conjunto de jornalistas espanhóis que se viram subitamente desempregados, o InfoLibre define-se como uma «proposta informativa e cívica». Com lançamento previsto para o início de 2013, a plataforma quer combater a crise instalada nos meios de comunicação que nos últimos anos foram agregados em grandes grupos empresariais.
Mas os jornalistas recém-despedidos do InfoLibre dão também ênfase à sua recusa em vergarem perante alguns modelos que têm surgido como solução generalizada para a crise no jornalismo: projectos que assentam nas potencialidades do online – informação rápida e imediata –, mas que pecam por reflectirem muitos dos seus defeitos – notícias incompletas e pouco fiáveis e ausência de análise. As críticas aos vários pequenos ciberjornais que proliferam na Internet prendem-se também com a sua frágil estrutura de financiamento, que acaba por marcar de forma negativa os seus trabalhadores.
Num blogue que pretende abrir a discussão sobre os valores do InfoLibre aos seus leitores é vista com desconfiança ideia da informação gratuita. Sem o pagamento dos leitores, dizem os fundadores do projecto, há mais contrapartidas impostas pelas empresas financiadoras e há mais trabalhadores precários.
A solução apresentada pelo InfoLibre é arriscada porque não depende apenas dos jornalistas mas também da vontade do público. No entanto, a abertura à participação cívica pode ser uma das chaves para o estabelecimento do acordo mútuo: «Por meio do acto de compra a um preço justo», explica a redacção do InfoLibre, «os leitores expressam a sua fidelidade e garantem por seu turno a independência dos profissionais da informação». A publicidade não está, neste caso, posta de parte, mas há um compromisso para com o público de transparência e de separação total entre conteúdos informativos e publicitários.
Jornalismo cívico é rentável em França
Se olharmos para o passado e para outros países europeus, percebemos que ideias como o La Marea ou o Infolibre não nasceram agora. O InfoLibre conta, aliás, com uma parceria de um jornal online francês semelhante, o Mediapart.fr, fundado em 2008 pelo jornalista Edwy Plenel. A boa notícia para este caso é que, além de se ter confirmado sustentável, o modelo francês conseguiu, de acordo com a informação avançada recentemente pela plataforma LePoint.fr, um lucro de cerca de 700 mil euros em 2012.
Numa entrevista à agência noticiosa Europa Press, o mentor do Mediapart.fr e ex-director do Le Monde sublinha que ambos os projectos – espanhol e francês – nascem de contextos muito específicos: tanto em França, há quatro anos, como agora em Espanha, «há uma ofensiva do poder público contra a independência dos meios públicos, uma grande crise da imprensa e vontade de criar um lugar de resistência na Internet».
Gregos mantêm vivo jornal falido
A ameaça à liberdade da informação estende-se a toda a Europa – sobretudo aos países mais afectados pela crise económica – e com ela esta necessidade de criar meios de informação alternativos.
Depois de, em Dezembro de 2011, ter sido fechado o Eleftherotypia, os 870 trabalhadores do segundo jornal mais lido na Grécia não cederam e deitaram mãos à obra. Grande parte dos jornalistas têm lutado por manter em actividade o meio de comunicação, mesmo já não havendo uma administração fixa nem, praticamente, apoios financeiros.
Fundado após a queda da ditadura militar em 1975 e conotado, desde essa época, com a esquerda política, o Eleftherotypia era visto no país como um projecto livre e transparente. A qualidade e independência que lhe são reconhecidas motivaram os jornalistas a prosseguir o jornal com edições especiais e, em finais de Outubro, reabriram a edição na rede digital.
Uma centena de outros jornalistas que ficaram sem emprego com o encerramento do jornal histórico grego dedicaram-se a uma nova publicação, o Efimerida ton Syntakon (em português o «Jornal dos Jornalistas»). Nascido oficialmente a 5 de Novembro, assume-se como um jornal sem hierarquias internas, com direitos e deveres iguais para todos os trabalhadores. Tem por objectivo facultar o acesso a uma informação independente e de qualidade, através do fomento do jornalismo de «investigação plural e profunda» e da prática da «análise crítica».
Informação local paga por colaboradores e subscritores
Quase veterano na curta história do jornalismo participativo da era digital é o Diagonal ES. Inspirado numa fanzine universitária madrilena, datada de 1986, o Diagonal ES funciona desde 2005 como órgão de comunicação colaborativo e pode ser lido em papel, quinzenalmente, ou diariamente online. Tal como nos restantes jornais apresentados, há no Diagonal um compromisso político e activista óbvio, mas também um compromisso de transparência e de verdade para com o público.
Composto por um colectivo de editores, colaboradores e mecenas, o jornal é ainda sustentado pelos seus subscritores (cada um paga cerca de 30 euros por semestre) e em cerca de 20% pela publicidade que, de acordo com a redacção do jornal, provém de entidades com critérios éticos. É este financiamento que tem permitido aos trabalhadores do Diagonal darem a primazia ao jornalismo local – uma das secções mais afectadas nos jornais «de referência» – e oferecerem informação diferenciada para as regiões da Galiza, Cantábria, Astúrias, Aragão e Andaluzia.
Nova fornada de jornais independentes em Portugal
Em território luso a situação actual dos jornalistas não difere da dos restantes países europeus. Também por cá a falta de financiamento potencia o controlo da informação pelos grupos económicos que detêm os órgãos de comunicação; os jornalistas, muitos deles em situação precária, têm medo de se fazer ouvir.
As contenções de custos na Agência Lusa e na RTP ou os despedimentos colectivos no Público e no Expresso têm levantado várias questões sobre o futuro do jornalismo em Portugal e revelam o desinvestimento na informação, sobretudo a nível local e no que diz respeito à investigação e análise da informação.
Embora as circunstâncias se tenham agravado nos últimos anos com o despoletar da crise económica europeia, a cooperativa Outro Mundo, responsável pela edição portuguesa do Le Monde Diplomatique, age, desde 2006, de acordo com a convicção de que «a qualidade das democracias depende em grande medida da qualidade da informação». A versão portuguesa da publicação internacional esteve interrompida alguns meses após sete anos de distribuição mensal regular, desde 1999. A ameaça ao funcionamento do jornal levou a que os jornalistas se empenhassem em relançar o projecto com as suas próprias mãos. A visão «crítica, informada, rigorosa e aprofundada do mundo contemporâneo», escreve, na página online, a redacção do Le Monde Diplomatique português, «resulta de uma experiência jornalística singular em termos de autonomia financeira e redactorial». Nos últimos seis anos esta autonomia tem sido assegurada através de um modelo económico social de «cooperação e entreajuda», do qual todos os seus colaboradores fazem parte.
A versão do Le Monde Diplomatique pode servir como exemplo nacional, mas a urgência que os portugueses – quer sejam ou não jornalistas – têm sentido ultimamente em colmatar falhas de informação revela-se em novos projectos com algo em comum: independentemente de terem carácter mais ou menos voluntário, serem construído por profissionais da informação ou apenas por pessoas com vontade e da sua forma de financiamento, todos eles estão comprometidos com a oferta de alternativas independentes ao público.
Em meados de Novembro surgia nas paredes de Lisboa O Espelho, um jornal financiado inicialmente pelos seus colaboradores e que, por isso, ainda não pode assumir qualquer periodicidade, como explicou um dos fundadores, Luís Gouveia Monteiro, à Lusa. Se não houver dinheiro, diz, vão «escrever directamente nas paredes, sempre que houver verdades para contar e ideias para debater», porque rejeitam as «ideias feitas de austeridade versus crescimento, papel versus Internet» e «a falta de profundidade que existe hoje em dia na imprensa portuguesa».
Na mesma linha surge o Mapa, que tem sido apresentado por todo o país ao longo deste mês e cujo o número zero, como já tínhamos noticiado n'A Folha, saiu com uma tiragem de 3000 exemplares e distribuição gratuita para ser um grão de areia na roda capitalista. «Quando percebemos que as medidas e transformações a que assistimos não são apenas de natureza económica nem apenas por causa da crise», é dito em editorial, «percebemos que é o modelo económico, social e cultural a que chamamos capitalismo que se está a transformar e a renovar para que se possa manter durante muito mais tempo».
Só o tempo pode testar o sucesso de todas estas ideias, mas há algo que é ponto assente na génese de todas elas, independentemente do seu futuro: é imprescindível que os trabalhadores deitem mãos à obra, pois só pode ser seu o interesse em estar informado. N'A Folha somos suspeitos: já declarámos que também por aqui estamos fartos de «má informação, de desinformação, de manobras mediáticas para baralhar os trabalhadores».