2013: o ano em que a água pode deixar de ser nossa

28-01-2013

O processo de privatização da água avança em Portugal e na Europa sob o olhar aprovador da União Europeia. De acordo com as novas políticas de privatização, o objectivo é que todos  os cidadãos beneficiem de um serviço melhorado e a preços mais acessíveis, mas a informação facultada aos «principais beneficiados» tem sido escassa. De acordo com os vários movimentos que se insurgiram nos últimos anos contra a privatização da água, tudo não passa de mais um «conto do vigário».

A «água é de todos», como tem sido ouvido inúmeras vezes, nos últimos meses, da boca de dirigentes sindicais, partidos de minoria parlamentar e movimentos cívicos. Mas o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, confirmava em Setembro que a medida é para se efectivar já no primeiro semestre de 2013. A 25 de Janeiro estava aprovada a proposta do PSD e do CDS-PP que «viabiliza a concessão de sistemas multimunicipais  de resíduos sólidos urbanos a entidades de capitais maioritária ou totalmente  privados e a subconcessão de sistemas multimunicipais de águas e de saneamento  de águas residuais a entidades de natureza também privada».

Mas a discussão já se arrasta há meses. Em Setembro de 2011, Assunção Cristas respondia negativamente  à proposta do Bloco de Esquerda para que fosse ouvida a opinião dos portugueses em relação ao assunto, dizendo que «a água custa dinheiro». A Ministra do Ambiente mostrava-se assim inflexível em relação a uma decisão que o actual Governo português sempre pronunciou como imprescindível e benéfica.

A determinação dos líderes portugueses foi aplaudida na Europa: de acordo com o programa de informação alemão Monitor, os anexos dos contratos estabelecidos com a Troika sugerem a promoção da venda de várias empresas estatais, das quais constam, por exemplo, as empresas municipais de distribuição de água de Atenas e Salónica e a portuguesa Águas de Portugal.

Porque a «água custa dinheiro», a entrega da sua gestão a empresas privadas aumenta o seu valor de especulação, e há uma forte probabilidade de que as grandes multinacionais estejam dispostas a fazer grandes investimentos no «produto». É aqui que têm entrado os vários movimentos de cidadãos europeus, para recordar que o direito à água e ao saneamento é «essencial à plena fruição da vida e de todos os direitos do Homem». A premissa é retirada da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Portugueses insatisfeitos querem ser ouvidos

Os portugueses não parecem aprovar nem as medidas do Governo nem o facto de não conseguirem expressar a sua opinião sobre o assunto. De acordo com um estudo de 2011 da Eurosondagem para o Expresso, a Águas de Portugal é a empresa cuja privatização os portugueses vêem com piores olhos.  17,4% dos inquiridos mostraram-se favoráveis à venda, contra os 70,6% que  se disseram descontentes.

Entretanto, o Movimento pela Água, declaradamente apartidário, continua, desde Junho de 2011, a recolher assinaturas numa petição pública lançada na Internet para que seja realizado um referendo sobre a questão.

«A Água É de Todos» é também o mote de uma outra das campanhas portuguesas mais activas contra a privatização da água. Lançada em 2008 e recuperada em 2011, a campanha agrega mais de uma centena de organizações e movimentos, das quais fazem parte várias câmaras municipais e juntas de freguesia. Entre os seus objectivos, é claro o propósito de «fortalecer e intensificar a defesa da fruição da água e do saneamento por todas as pessoas, face ao crescente e violento ataque ao direito universal à água em Portugal». A campanha «A Água É de Todos» tem em curso a subscrição de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) a apresentar na Assembleia da República.

Uma das organizações que integra a campanha é o STAL (Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local). Num comunicado recente, o sindicato apela à luta contra a privatização da água, não só porque a medida terá um impacto negativo nos consumidores, mas também pela ameaça que representa para as condições de trabalho dos funcionários das empresas municipais.

Primeiras privatizações não cumprem o prometido

Muito tem sido discutido em relação às vantagens e desvantagens desta medida. Alguns dos argumentos utilizados pelas empresas privadas e pelos governos que querem vender empresas públicas prometem melhoria dos serviços e diminuição dos preços.

Nos últimos anos foram já vários os países – como Inglaterra, a Alemanha ou França – que cederam à venda das empresas públicas de distribuição da água. As vendas concentram-se em sete grupos económicos multinacionais, como é o caso dos franceses Vivendi e Suez, influentes em vários conselhos organizados pela União Europeia, como é o caso do Fórum Europeu de Serviços.

Nos locais em que a manutenção da água foi transferida do serviço público para o privado, não foi verificável nenhuma das vantagens prometidas. De acordo com um estudo de 2010 da Universidade de Barcelona, citado pela peça televisiva do "Monitor", há provas de que em alguns locais a qualidade da água diminuiu e que na maioria dos locais os preços se mantiveram ou aumentaram.

Em Portugal existem, mesmo que ainda com um peso minoritário, já algumas empresas de concessão privada no sector. Um exemplo mal sucedido é o do município de Paços de Ferreira, onde as redes de água e saneamento são geridas pela empresa AGS. Neste concelho do norte do país, o preço da água subiu cerca de 400% desde que o bem deixou de ser público. Os munícipes têm-se mostrado bastante descontentes e surgiu inclusive um movimento 16 de Novembro, que protesta contra o aumento anual do preço da água.

Notícia corrigida em 31 de Janeiro, por indicação do movimento de cidadãos Movimento pela Água, que erradamente escrevemos que estaria a convocar uma manifestação para o dia 21 de Março, baseada num evento publicado no Facebook. Este evento não trata, como foi sugerido, de um apelo à manifestação pública, mas apenas de um apelo à assinatura da petição lançada para que seja feito um referendo. O Movimento pela Água esclarece que a data que figura neste evento «deve-se exclusivamente ao facto de fazer com que este evento se prolongue no tempo».

Fontes
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