Editorial fundador

19-09-2012

Decidimos avançar com um projecto experimental de comunicação – um jornal polimórfico (digital e em papel) que conta com a participação dos movimentos sociais para a produção e divulgação dos conteúdos informativos.

O nosso objectivo inicial é simples: tornar os movimentos e as lutas sociais mutuamente visíveis de norte a sul do país. Se pudermos contribuir para quebrar a sensação de isolamento de muitos desses movimentos, consideraremos vencida a primeira meta.

Esperamos poder também contar no futuro com o despertar de alguns profissionais para a possibilidade de gerar um outro jornalismo, um outro modo de estar na actividade da informação, uma outra maneira de reflectir o mundo.

Editorial fundador

Os acontecimentos políticos e sociais em 2011-2012 fizeram sentir com particular premência uma falha na sociedade portuguesa: a escassez de órgãos de informação que não estejam ao serviço dos interesses económicos.

Ainda que toda a informação necessária ao entendimento dos acontecimentos esteja disponível na rede digital, ela encontra-se dispersa; exige muitas horas de investigação, coisa de que poucos trabalhadores podem dispor.

Desde o Verão de 2011, um número significativo de activistas dos movimentos sociais tem exprimido a vontade de criar um órgão de informação independente dos interesses económicos; mas as perspectivas sobre a natureza de um tal projecto necessitam de tempo para amadurecerem um acordo e criarem condições materiais e organizativas para avançar. Entretanto o tempo urge.

Decidimos por isso avançar com um projecto experimental, relativamente modesto nos seus objectivos – um órgão de informação sem pretensões doutrinárias, que deverá crescer com a experiência, com a participação crescente dos movimentos sociais na produção dos conteúdos do jornal, com o despertar de alguns profissionais para a possibilidade de gerar um outro jornalismo, um outro modo de estar na actividade da informação, uma outra maneira de reflectir o mundo.

Linhas mestras d’A FOLHA

A Folha define-se por ter um foco social, ser polimórfica e ter independência financeira. Define-se também pela forma como autoafere o seu interesse, por um conjunto de regras editoriais e por uma ideia de desenvolvimento a longo prazo.

Foco social

As notícias publicadas pel’A Folha centram-se no interesse imediato dos trabalhadores. São os trabalhadores, de preferência através das suas organizações e dos movimentos cívicos de cidadãos, a origem directa e o assunto das notícias. Os artigos são depois editados e documentados pela equipa d'A Folha.

São sujeitos preferenciais das notícias:

  • Os movimentos sociais (comissões de moradores, de trabalhadores, sindicatos, grupos cívicos de cidadãos dedicados a causas sociais específicas, etc.).
    Nota: os casos pessoais não têm lugar n’A Folha; o drama do agricultor a quem ardeu o celeiro, do desempregado que não tem dinheiro para comer, do ministro que caiu em desgraça ou do artista que obteve um prémio internacional encontra imprensa especializada noutro lugar.
  • Acontecimentos políticos que afectem directamente os trabalhadores.
    Nota: a maioria das notícias de carácter político divulgadas pela comunicação social não passa de manobras de diversão ou desinformação, apresentadas como assunto de interesse crucial para a população. Procuraremos identificar este tipo de notícia de forma a bloquear a sua transmissão (ou a desmascarar as suas artimanhas), concentrando o conteúdo informativo nas acções desenvolvidas pelos próprios interessados (os trabalhadores ou a população em geral).
  • Ligações e relações entre os movimentos sociais nacionais e internacionais.
  • Terão de ser abertas algumas excepções à adopção dos movimentos sociais como fonte exclusiva da informação. Assim:
    • As notícias internacionais, por razões práticas, tenderão a ser mais sintéticas e da responsabilidade da equipa redactorial.
    • Quando necessário, notas e sínteses da responsabilidade da equipa redactorial.
    • Admite-se a criação de uma secção de opinião, como cedência aos hábitos mainstream estabelecidos no público-autor. Esta secção, contudo, jamais terá um lugar de honra ou destaque nas páginas de rosto ou na edição impressa.

Polimorfismo

A sede do jornal A Folha é na Internet. Aí se publicarão todas as notícias recolhidas e editadas, divididas por secções. No entanto A Folha pode assumir outras formas.

Consideramos importante disponibilizar uma versão impressa, passível de ser largada em cima duma mesa de café, transportada no bolso, lida no autocarro, anotada, oferecida. Esta versão será muito mais modesta (em número de páginas, periodicidade, etc.), reduzindo-se a uma folha A3 dobrada e impressa em frente e verso.

Por outro lado, este é um projecto sem patrocínio económico ou publicitário, não podendo por isso sustentar a impressão das folhas. Tão-pouco queremos ficar nas mãos dos intermediários e distribuidores, por onde fatalmente teria de passar uma edição impressa.

A solução encontrada foi a de publicar na rede digital uma versão em folha simples, pronta a ser impressa por qualquer cidadão ou organização que a queira distribuir.

Aferição circular

A notícia nasce das acções de cidadania e militância; é transmitida por esses movimentos à nossa redacção, onde é editada e organizada de forma sistemática; retorna à sua origem por via digital – e aí quem a originou passa a ter a responsabilidade da sua difusão em papel. A nós cabe-nos a tarefa da recolha e difusão em rede digital.

A Folha aspira assim a tornar-se um instrumento polimórfico, um circuito de informação capaz de aferir a justeza e o interesse da sua própria actividade – que, em princípio, será proporcional ao interesse dos movimentos sociais.

Independência financeira

Numa primeira fase A Folha arranca apenas sustentada pelo voluntarismo duma pequena equipa.

Evidentemente esta situação não pode arrastar-se por muito tempo. Prevemos que ao fim de 3 a 6 meses o projecto possa esgotar-se, se não forem encontradas fontes de financiamento. Entendemos que este financiamento terá necessariamente de ser independente do poder económico e do poder político institucional, sob pena de esvaziar os objectivos propostos.

Espera-se que o interesse do projecto possa gerar fontes de autofinanciamento.

Regras edit​oriais

Embora seja externa ao jornal a origem produtiva das notícias, elas terão de passar pelo crivo da equipa redactorial d'A Folha para garantir um conjunto de princípios:

Princípio da idoneidade – As notícias contêm referência obrigatória à fonte donde provêm (sendo esta responsável pelos dados fornecidos); ainda assim a equipa redactorial deve tentar confirmá-las por outras vias. Não podem ser publicadas notícias baseadas em opinião pessoal, ou notícias vindas do «éter» ou do «espírito santo de orelha» (de que são exemplo típico grande parte das notícias de encomenda política difundidas pelas agências noticiosas e reproduzidas cegamente pela esmagadora maioria dos órgãos de informação). Os artigos de opinião ou sem fonte de dados serão remetidos para a secção de opinião.

Princípio da responsabilidade individual – As notícias devem ser assinadas por quem as produziu e editou.

Princípio da participação colectiva – Todos os movimentos sociais dos trabalhadores podem contribuir com notícias relativas à sua actividade, problemas e interesses, bem como para as propostas de melhoramento do jornal.
Nota: Este princípio não obriga A Folha a publicar artigos dos movimentos sociais que consistam essencialmente em opiniões particulares sem base factual ou ataques pessoais (a outros trabalhadores ou seja quem for).

É proibido o novo Acordo Ortográfico.

Linha de desenvolvimento

A urgência do projecto leva-nos a avançar com ele numa base experimental – que, de resto, nos agrada como princípio de acção, por contraponto à fórmula adquirida. As capacidades iniciais do projecto são muito limitadas; espera-se que cresçam rapidamente e que comecem a surgir contributos de todas as partes do país.

A falta de jornalistas profissionais que integrem o projecto de início não nos assusta. Pelo contrário, esperamos que a participação de pessoas que não foram formadas nas escolas de comunicação social permita combater décadas de vícios de informação. Mas a participação de jornalistas – ou seja, pessoas inteiramente dedicadas à comunicação social – capazes de repensarem a sua própria actividade e métodos é um valor inestimável que esperamos poder vir a adquirir no futuro.

Envia-nos os comunicados, links, folhas informativas, páginas de Internet, notas sobre a actividade do teu movimento social.

Se o teu grupo de trabalho não possui meios de divulgação, envia-nos notas sobre o que se está a passar, as situações sobre as quais actuam, resumos das actividades – nós nos encarregaremos de as transformar em artigos de jornal.

 

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