por LA
Há um ano, quando se falava em censura nos jornais, as pessoas torciam o nariz, não acreditavam. Mesmo sendo público que uma jornalista fora suspensa da agência Lusa por não aceitar uma informação não confirmada de um assessor do primeiro-ministro, então José Sócrates.
Depois começaram a acontecer mais coisas: um programa de rádio cancelado e cinco opinadores despedidos no canal público Antena-1; uma jornalista do Público chantageada, ameaçada e forçada à demissão pelo ministro Miguel Relvas; uma Entidade Reguladora da Comunicação que nega a gravidade dos factos, mas depois um dos seus elementos vem queixar-se das mesmas pressões.
As pessoas também começaram a reparar que notícias do estrangeiro que belisquem o poder, como o movimento Occupy nos Estados Unidos ou a luta dos estudantes do Québec, ou ainda a ousadia da Islândia ao suspender o pagamento da dívida e criar uma nova constituição, tudo isso só era noticiado quando havia confrontos que metiam polícia – e portanto metiam medo.
Começou também a descobrir-se que os desacatos em manifestações – cá em Portugal – eram provocados por agitadores infiltrados, agentes da polícia à paisana. Está provado, mas só o sabe quem procura na Internet, porque os média comerciais sempre o omitiram. Censuraram.
Esses mesmos média procuram descaradamente criminalizar alguns movimentos apelidados de «anarquistas» – palavra que inexplicavelmente adquiriu uma conotação violenta – quando os ditos grupos são pacifistas. Exemplos dessas mentiras podem ser encontrados no sites de Gaia e RDA. Mas nenhum desmentido foi publicado nos jornais que as publicaram.
Com a derrocada de prestígio do governo de Passos Coelho a partir do momento em que Miguel Relvas se tornou a anedota nacional da silly season, começou a ser cada mais evidente que os meios de comunicação – e em particular as televisões – obedecem caninamente à voz do dono. Seja o dono estatal ou privado, que são aliás todos a mesma família.
Por exemplo, no dia 13 de Setembro, à hora a que o primeiro-ministro anunciava na televisão o pacote de austeridade da TSU, tinha uma manifestação sindical à porta, que a comunicação social ostensivamente ignorou. Um dos cartazes dizia: «E os roubados não são entrevistados?»
A propaganda dos governos é uma máquina oleada na perfeição, com uma agenda ideológica definida e matraqueada a todas as horas por um exército de jornalistas, comentadores e animadores. Mas – apesar da eficácia destes assessores e publicistas ao serviço dos poderes – a mediocridade e a malignidade dos governantes começou a corroer a credibilidade da sua máquina de propaganda.
Se analisarmos com mais atenção as notícias espalhadas por tudo quanto é jornal e pasquim na Internet, chegamos a uma conclusão imediata: todos estes meios de comunicação dão a mesma notícia, com ligeiras adaptações (ou cortes) editoriais. Por regra, essa notícia sempre igual provém da agência Lusa – a grande máquina de informação nacional. Aparentemente já não há jornalistas daqueles que vão ao local e investigam os factos, de bloco de notas em punho. Os jornalistas de hoje trabalham sentados.
Um exemplo: no dia 5 de Outubro, estava convocada por Facebook uma manifestação espontânea frente à Assembleia da República, onde se reuniram centenas de pessoas e a polícia fez 7 detenções. Todas as notícias sobre esse acontecimento provêm da Lusa e referem fontes policiais. Por que razão os diferentes jornais não enviaram lá os seus jornalistas?
Hoje temos mais razões para desconfiarmos da palavra de qualquer jornalista do que para crermos que nos dá – como devia e como obriga o seu código deontológico – informações credíveis, completas e imparciais.
Por tudo isto, quando os trabalhadores da Lusa ameaçam fazer greve devido a cortes orçamentais, embora possam contar desde já com a nossa solidariedade, não podemos deixar de lhes perguntar: onde estavam vocês quando os outros trabalhadores precisaram de ser ouvidos?
É fácil verificar que os movimentos sociais (os que nascem da sociedade) e em particular os que defendem os trabalhadores – que nos últimos tempos estão debaixo de fogo deste governo troikista – não têm quase expressão ou acesso aos meios de comunicação social principais. Quando uma greve é noticiada, os jornalistas assumem sempre o ponto de vista do poder ou o do cidadão lesado; raramente expõem os motivos que levam os trabalhadores à greve. Mas é esse o «porquê» de se fazer a greve.
O b-a-ba da informação jornalística, que todos aprendemos na escola, consiste em dizer o quê, o quem, o quando, o onde, o como e o porquê. Os jornalistas de hoje parece que esqueceram os porquês.
A maioria dos jornalistas aboliu estes princípios simples para dar prioridade aos princípios do marketing político e da propaganda. Por isso uma das coisas que raramente vemos nos jornais e na televisão é o famoso contraditório. Existe até um programa de debate televisivo que devia ouvir os «Prós e Contras» dos problemas sociais e já só ouve os prós, como se viu na passada semana com o tema «manifestações e forças policiais», onde só estas últimas estavam representadas.
Esta máquina de propaganda caracteriza-se, muito simplesmente, por afirmar por palavras tudo o que os actos negam. É aquilo que Orwell chamou «novilíngua» no seu romance 1984 – a língua onde tudo significa o seu contrário. Um autêntico dicionário de mentiras. Uma fabricação virtual do real inexistente. Uma farsa. Uma fraude.
Ora, o que é que os meios de comunicação social não nos querem dizer? Tudo o que tenha a ver com as acções dos cidadãos e dos trabalhadores que possam incomodar o poder político e empresarial. Tudo o que não venha de cima, mas venha da sociedade. E hoje – como todos sabemos – os de baixo têm muitos motivos para se manifestarem contra os de cima.
É isso – dar exclusivamente as notícias que respeitam aos movimentos sociais – que este jornal tem por missão fazer. É isso que nos distingue. É esse o nosso caminho, que ainda agora começou. Mas como não podemos ir a todo lado, pedimos aos cidadãos e aos trabalhadores que nos enviem as suas notícias, que procuraremos publicar com a maior fidelidade.
Queremos que A Folha sirva para que os movimentos sociais sejam mutuamente visíveis e não se sintam isolados na sua luta pela sobrevivência. Contra o silêncio e contra a mentira.