Grécia: a Saúde está doente

10-12-2012

Depois de o terceiro acordo com a troika estar a ser aplicado ao país, a Grécia vê o seu sistema de saúde sofrer novos e duros golpes. A saúde já não é pública e as regras cada vez mais apertadas de atribuição de seguros de saúde têm sobrecarregado trabalhadores e pensionistas gregos. E até aqueles que conseguem pagar as consultas dão de caras com serviços demorados e de pouca qualidade, reveladores dos severos cortes em recursos materiais e humanos para o sector. 

A situação do sistema de saúde grego começou a piorar de dia para dia desde o primeiro pedido de resgate feito pelo país, em 2010. Além do grave aumento do custo de vida e da ascensão da taxa de desemprego (26% em Setembro de este ano, de acordo com a Autoridade Grega de Estatísticas), juntam-se às preocupações do povo grego os encargos financeiros e o estado caótico do sector da Saúde. Já poucas isenções de custos são previstas, mesmo para aqueles que, ao longo de vários anos, acreditaram que o pagamento dos impostos asseguraria assistência médica pública e de qualidade para si e para a sua família.

Encargos sobre os cidadãos mais desprotegidos

Nos últimos meses, todos os direitos conquistados pelo povo grego no acesso à saúde pública e gratuita foram alvo de um enorme retrocesso. O sistema de saúde deixou de ter em conta as necessidades dos cidadãos mais desprotegidos e adoptou um modelo semelhante ao norte-americano: agora, apenas aqueles que reúnem dinheiro e condições para garantir um seguro de saúde estão salvaguardados do risco de verem a assistência médica ser-lhes negada.

Os cidadãos em situação de pobreza – um em cada três gregos, de acordo com as estatísticas publicadas por duas organizações sindicais do país – não conseguem pagar as taxas de assistência médica que lhes são agora impostas, até porque não é previsto qualquer tipo de abatimento para aqueles que estão desempregados ou que simplesmente não conseguem pagar as suas dívidas ao Estado. No caso dos imigrantes, estes vêem-lhes simplesmente serem negados os cuidados médicos.

Soluções paliativas

Apesar de, na passada quarta-feira, o governo grego ter anunciado que vão ser distribuídas cerca de 100 mil senhas para tratamento médico gratuito a desempregados e aos seus familiares, o valor parece simbólico tendo em conta os quase 3 milhões de desempregados do país.

Ultimamente alguns hospitais estatais começaram inclusive a aceitar tratar cidadãos desempregados e outras pessoas em situação precária de forma gratuita, uma vez por semana. De acordo com o jornal ateniense Kathimerini, a iniciativa foi promovida pela Federação de Uniões de Médicos dos Hospitais Gregos, em solidariedade com aqueles que não têm possibilidade de comportar as despesas de cuidados de saúde primários.

Clínica Social Metropolitana de Helleniko, Atenas

Em declarações à Folha, a jornalista grega Melina Velimezi acrescentou ainda que foram criados muitos «centros de saúde sociais organizados por médicos e voluntários», que por vezes contam com o apoio dos municípios.

A Clínica Social Metropolitana de Helleniko, em Atenas, é um exemplo: o projecto é gerido por um grupo de voluntários, que salvas vidas, literalmente, aos mais afectados pela medidas de austeridade, privados de cuidados médicos e medicamentos ou com problemas de saúde críticos e urgentes.

Hospitais com maior risco de propagação de doenças

Filha de dois médicos, e por isso a conviver de muito perto com os problemas dos profissionais de saúde, Melina Velimezi ouve em casa queixas constantes sobre uma situação que piora de dia para dia. A falta de recursos materiais e humanos alimenta o risco de, um dia "não haver sequer aquilo que é necessário para uma operação".

Os sinais destas carências já se começaram a fazer sentir e, na semana passada, o director do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, Marc Sprenger, revelou a preocupação da entidade com o cumprimento dos protocolos de higiene básica. «Vi lugares... onde a situação financeira não permitia sequer o cumprimento dos requisitos básicos, como o uso de luvas, batas ou toalhetes antissépticos», disse Sprenger à Reuters, depois de uma viagem a Atenas durante a qual visitou várias infraestruturas hospitalares. O supervisor teme que este tipo de carência possa diminuir o controlo de doenças contagiosas e infecciosas dentro dos próprios hospitais.

Como resposta às críticas internas e externas ao pouco investimento feito na saúde, o ministro Andreas Lykourentzos anunciou, na passada quarta-feira, que quer melhorar a absorção dos fundos europeus no sector. Revelou ainda que apenas 7% desse dinheiro está, para já, a ser aplicado aos cuidados de saúde e disse esperar que este valor suba até aos 48% até ao fim de 2014. No entanto, os valores devem ter em conta a redução prevista de 60 milhões de euros na ajuda europeia destinada à Saúde.

Medicamentos mais caros para doentes crónicos

Da falência do sistema de saúde não têm sido sequer poupados os doentes crónicos. Em finais de Outubro, os responsáveis pelos ministérios da Saúde e do Trabalho gregos decidiram acrescentar às medidas de austeridade novos encargos financeiros para estes cidadãos, que terão de pagar 10 a 25% do valor dos medicamentos prescritos, até agora assegurados gratuitamente. Da lista dos incluídos nesta medida fazem parte, por exemplo, utentes com insuficiência renal ou portadores de doença de Alzheimer - grande parte deles reformados. Tendo em conta os preços elevados de alguns dos medicamentos necessários para o tratamento destas doenças, estes utentes terão de contar nas suas despesas com uma nova parcela que pode ascender às centenas de euros.

Médicos fazem serviço voluntário

A poucos dias de receber mais uma parte do dinheiro emprestado pelo FMI, a 13 de Dezembro, a Grécia é palco para cenários desesperantes dentro das infraestruturas hospitalares. Acumulam-se filas de espera e os médicos e enfermeiros não têm mãos a medir. Depois de terem visto os seus salários diminuir em 40% nos últimos dois anos, esforçam-se por manter em funcionamento os hospitais, acabando muitas vezes por serem obrigados por lei a cumprir horas extraordinárias sem esperar qualquer retorno.

Os profissionais de saúde têm sido protagonistas de vários protestos ao longo deste ano, manifestando-se, em consonância com outros trabalhadores do sector público, contra a diminuição dos postos de trabalho, cortes nos salários e alterações às regras de aposentadoria.

Para Melina Velimezi, a situação parece não ter fim à vista, mas de uma coisa tem a certeza: este não é o caminho certo, e há culpados que passam isentos. «Todo este sistema de saúde foi sustentado pelas pessoas que pagavam os seguros de saúde, mas depois os patrões começaram a não lhes garantir esse direito no trabalho», diz. Além disso, o Ministério da Saúde «tinha acordos com algumas empresas para pagarem muito pelo material hospitalar», mas tinham que cortar em algum lado, então «deixaram de contratar médicos e enfermeiras até que os hospitais começaram a ter problemas».

«Querem destruir todos os serviços sociais e tornar-nos trabalhadores-robôs sem nada, a trabalhar pela sobrevivência sem nenhuns direitos» lamenta a jovem grega. Para ela, o pagamento da dívida grega vai levar o agravamento das condições da vida de muitos às últimas consequências: «quem tem dinheiro paga um seguro de saúde, os outros simplesmente morrem... é simples e rentável para os capitalistas».

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