por RVP
Amanhã, dia 29/11/2012, o parlamento vota uma proposta governamental de novo regime jurídico do trabalho portuário.
Os estivadores respondem com uma manifestação que arranca da Praça do Município, em Lisboa, às 13h, em direcção ao parlamento. Estarão presentes centenas de estivadores de Espanha, França, Dinamarca, Suécia e Bélgica.
Começa no dia 29 um novo período de greve dos estivadores, que se prolonga até 5 de dezembro, altura em que iniciam uma nova paralisação por mais quatro dias, até 9 de dezembro. Os estivadores estão em luta contra a proposta governamental desde 17 de setembro.
Em causa está a intenção do Governo e das entidades patronais de precarizar os postos de trabalho, substituir trabalhadores altamente especializados por trabalhadores avulsos, contratar à jorna (como faziam os portos no tempo de Salazar), despedir os trabalhadores a contrato, desregulamentar o sector do ponto de vista empresarial e laboral, etc.
Segundo o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, a nova lei de trabalho portuário reduziria os custos nos portos portugueses entre 25% e 30%. Esta proposta do Governo vai ser votada na generalidade na quinta-feira, 29 de Novembro. Depois desce à comissão especializada e só mais tarde voltará a plenário para ser votada na especialidade. Segue-se a promulgação pelo Presidente da República.
Mas será que os planos do ministro Álvaro Santos Pereira fazem alguma espécie de sentido? Vejamos por partes:
A teima do Governo confunde-se com incompetência e má gestão empresarial
Segundo notícias publicadas nalguns jornais (e ainda não verificadas por nós), em Lisboa, por exemplo, o movimento de cargas caiu cerca de 26% devido à luta dos estivadores. Estejam estes dados certos ou errados, não restam dúvidas de que o braço-de-ferro entre o Governo e as empresas portuárias, de um lado, e do outro os estivadores parece resultar apenas de uma teima ideológica neoliberal. A poupança de custos prometida pelo ministro choca-se com o seguinte facto: em muitos sectores da actividade portuária o custo do trabalho é marginal, ou relativamente insignificante na totalidade dos custos portuários – o peso das rendas e do capital fixo (maquinaria, etc.) é preponderante. Assim, por exemplo, as autoridades portuárias, que cobram uma espécie de renda aos barcos e cargas estacionados no porto (sem contribuírem com qualquer trabalho ou outro tipo de valor acrescentado), custam infinitamente mais caro às empresas e respectivos clientes do que o trabalho de estiva aplicado durante o mesmo período de tempo. Outros factores de custo desnecessário ou exagerado poderiam ser apontados – todos eles alheios aos trabalhadores.
Para dar um exemplo acessível: é como se o ministro, para se deslocar, alugasse um BMW de luxo por 1000 euros/hora, parqueado numa garagem de alta segurança por 50 euros/hora, conduzido por um motorista pago a 5 euros/hora, e depois viesse queixar-se do peso excessivo dos custos do trabalho no orçamento do ministério.
Além disso a introdução de trabalhadores precários, escolhidos e contratados à jorna, sem experiência nem especialização, irá diminuir os ritmos de trabalho e aumentar os acidentes – por outras palavras, implica um significativo aumento de custos.
O argumento dos custos portuários é portanto despropositado.
A situação real dos trabalhadores da estiva
Para se ter uma ideia do que está realmente em causa na luta dos estivadores, transcrevemos um trecho de um artigo dos Estivadores de Portugal:
Desde há largas semanas, os Estivadores estão em greve e durante este percurso têm desenvolvido variadas formas de luta. Actualmente, a «greve» dos Estivadores cinge-se aos sábados, domingos e feriados e dias úteis entre as 17 e as 08 do dia seguinte. Cada estivador em «greve» trabalha, afinal, o que trabalha cada português que ainda não está no desemprego: 8 horas por dia, 40 horas por semana.
- Sabia que o ritmo de trabalho de um estivador atinge 16 ou 24h por dia?
- Sabia que nos portos se trabalha 24 horas por dia, 362 dias por ano?
- Sabia que somos dos poucos países da Europa onde os estivadores não têm direito a reforma antecipada por profissão de desgaste rápido?
- Sabia que o trabalho na estiva é hoje extremamente especializado requerendo uma formação profissional exigente e sofisticada?
- Sabia que os equipamentos pesados envolvidos nas operações proíbem amadorismos causadores de muitos acidentes mortais ou incapacitantes?
Quanto aos salários praticados, descaradamente empolados pelos comentadores e políticos de serviço nos programas televisivos, variam entre cerca de 700 e cerca de 1600 euros. Se alguém ganha mais, é porque teve de fazer uma quantidade desumana de horas extraordinárias. Por conseguinte, atendendo à especialização necessária, ao desgaste rápido da profissão, aos perigos de acidente de trabalho inerentes (para o próprio e para os colegas), deve dizer-se que ganham bastante mal.
A campanha acerca da suposta exorbitância dos salários da estiva chega a extremos criminosos: responsáveis políticos vão à televisão acusar os estivadores de ganharem 5000 euros/mês; uma busca no Google indica que o economista Paul Krugman terá dito que os salários dos estivadores tinham de baixar, sob pena de descalabro económico; consultado o artigo, conclui-se que afinal o economista não disse nada disso, tratando-se apenas de um truque, baseado nas tecnologias de busca na rede, para fazer passar frases curtas de propaganda anti-estivadores. Esta propaganda, como sempre, é da responsabilidade dos órgãos de comunicação social, não dos motores de busca.
A ameaça de requisição civil
Os operadores portuários, as associações empresariais e os armadores têm apelado ao governo para pôr fim a este estado de coisas com a aplicação da requisição civil. O executivo de Passos Coelho tem resistido até à data a utilizar esse expediente extremo. Segundo o jornal Ionline, uma das razões dessa recusa resulta do facto de os estivadores cumprirem os serviços mínimos, algumas vezes decretados unilateralmente pelo governo, e de as greves serem parciais. Outra tem a ver com a concertação social que o executivo teme pôr em causa – uma vez que o sindicato afecto à UGT assinou um acordo de pacificação laboral com o governo, válido para os portos de Leixões e Sines.
Parece-nos, porém, haver outras razões ponderosas para que o Governo hesite na requisição civil. Uma requisição civil que obrigue os trabalhadores a laborar além das 8 horas normais de trabalho é não só uma figura legal desconhecida, mas também uma imposição passível de ser considerada trabalho escravo (ainda que remunerado). Se o Estado de direito porventura ainda funciona, a obrigação militarizada de fazer horas extraordinárias acarretaria o risco de uma tremenda derrota do Governo e das empresas portuárias em tribunal, funcionando de imediato como um motor de agitação e esclarecimento de toda a população trabalhadora.
Considerando o facto de este governo ter definido as exportações como um eixo central da economia portuguesa, a teimosia em manter o braço-de-ferro com os estivadores parece desconcertantemente tola, pois transforma os estivadores – por cujas mãos passa uma parte importante das exportações – numa seta apontada ao coração do projecto político desta maioria neoliberal.
O factor internacional
Há muitos meses que os estivadores portugueses contam com a solidariedade internacional dos seus colegas de profissão. Esta solidariedade não se expressa apenas por palavras – vários portos ibéricos e de outros países europeus entraram em greve de solidariedade.
A aplicação de medidas mais duras (requisição civil, medidas repressivas extremas, etc.) pode levar os sindicatos europeus a decretar um bloqueio e o boicote aos navios que aportem por essa Europa com mercadoria portuguesa. Mais uma vez, neste caso, parece evidente que a teimosia do Governo e das empresas portuárias pode ser um tiro no próprio pé.
Nesta manifestação de dia 29 próximo os estivadores da Europa não se limitam a enviar saudações fraternas e solidárias – estarão presentes, possivelmente às centenas, ombro a ombro com os seus camaradas portugueses. Significa isto que os olhos de toda a Europa estarão focados no que se irá passar durante a manifestação – nas reivindicações dos estivadores, nas respostas do Governo, na actuação da polícia... É bem provável que os acontecimentos sejam transmitidos on-line, em tempo real.
Entretanto, a teimosia do Governo e das empresas portuárias conseguiu uma coisa extraordinária: a vinda a Portugal de estivadores de outros países, ou seja, a presença de uma classe cuja incansável capacidade de luta já provocou mortos e feridos noutras paragens europeias.
Até agora a comunicação social e o governo conseguiram esconder da opinião pública a onda de solidariedade e reivindicação que grassa na Europa em uníssono com os estivadores portugueses. Esse expediente desesperado será derrotado amanhã, graças à presença dos estivadores europeus.
Estas accções de solidariedade são da maior importância não só para os estivadores, mas sobretudo para toda a população trabalhadora do país – uma população que, após décadas de isolamento e falta de internacionalismo, começa a entender o valor efectivo da solidariedade internacional e o seu lugar na teia internacional de interesses dos trabalhadores e dos empregadores.