por LA
Os trabalhadores ferroviários realizaram na quinta-feira, dia 14 de Fevereiro, uma jornada de «resistência e luto ferroviário», como forma de manifestar o seu protesto contra as medidas de redução de salários e pensões, a destruição da contratação colectiva e a retirada de direitos, entre os quais o direito ao transporte, existente como contrapartida de trabalho há mais de 100 anos. Durante este Dia de Luto Ferroviário, várias linhas de comboio foram bloqueadas, em Coimbra, Lisboa, Porto, Barreiro, Entroncamento e Faro.
No Barreiro, algumas centenas de trabalhadores ferroviários, reformados e famílias fizeram uma concentração e a ocupação simbólica da Linha do Sado, impedindo a saída do comboio das 17h25. No local estiveram presentes representantes do Partido Ecologista «Os Verdes», o presidente da Câmara Municipal do Barreiro, Carlos Humberto, vereadores, o presidente da Junta de Freguesia do Pinhal Novo, que expressaram solidariedade aos trabalhadores ferroviários. Rui Martins, do Sindicato dos Maquinistas, criticou as políticas do Governo que fazem roubos sucessivos aos trabalhadores. «Nem o Salazar foi tão longe», sublinhou a propósito do ataque às concessões, «que é aquilo que os ferroviários têm de mais sagrado».
As concessões atribuídas aos ferroviários e aos seus familiares permitiam-lhes viajar gratuitamente ou com descontos de 75%. Depois de numa primeira fase ter suspendido estas concessões, a CP recuou e ofereceu entretanto um «desconto comercial» de 50% aos seus antigos funcionários na compra de bilhetes em todos os tipos de comboios e na aquisição de assinaturas (vulgo passes).
José Encarnação, da Comissão de Trabalhadores da CP, afirmou que o Governo tem apostado no encerramento dos serviços e está a contribuir para que existam em Portugal «piores condições de oferta de transportes». E salientou que no momento actual «resistência é a palavra chave» em defesa dos serviços públicos e dos direitos dos trabalhadores, alguns conquistados antes do 25 de Abril e agora retirados.
Acções de luta e bloqueamento
No Barreiro, como referimos acima, foi bloqueada a Linha do Sado durante uma parte do dia.
No Entroncamento foi bloqueada, mediante uma ocupação pacífica das linhas férreas, a circulação de cerca de uma dúzia de comboios entre as 16h e as 20h30. No Porto, algumas centenas de manifestantes impediram temporariamente a circulação de dois comboios no sentido sul-norte.
Em Lisboa, cerca de 200 manifestaram-se em frente à administração da CP em Lisboa. Durante a acção, os manifestantes fizeram referência ao deputado do CDS Hélder Amaral que, na quarta feira, declarou no parlamento que os ferroviários fizeram, no ano passado, 295 dias de greve, dando a entender que só teriam trabalhado 70 dias, quando a realidade é que os mesmos fizeram greve apenas às horas extraordinárias.
O coordenador da Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans), José Manuel Oliveira, em declarações ao jornal Público, esclareceu que «não estava previsto impedir a circulação de comboios, mas entende-se: as pessoas estão muito revoltadas».
Em Coimbra, um membro da Comissão de Trabalhadores da CP, António Maló, disse que a acção de protesto «foi além das expectativas» em termos de mobilização, tendo participado «entre 200 a 300 pessoas», segundo a sua estimativa. A concentração estava marcada para as 17:00, mas às 16:45 um grupo de pessoas, sobretudo reformados e seus familiares, acabou por bloquear de forma pacífica a passagem do comboio Alfa Pendular que circulava no sentido Porto-Faro. Durante o protesto foi detido um sindicalista por, alegadamente, se ter recusado a identificar-se.
«O corte das concessões (títulos que permitem viagens gratuitas) tocou também aos reformados», salientou António Maló. As concessões «não são nenhuma regalia, fazem parte dos vencimentos», acrescentou. «Há reformados com passes vitalícios. Qual é a moral destas empresas?», questionou o dirigente da Comissão de Trabalhadores da CP, indicando que o bloqueio da circulação do Alfa Pendular «não foi previsto» pelos promotores do protesto, tendo antes partido da iniciativa de um grupo de reformados.
Juntou-se ao protesto de Coimbra um grupo de ferroviários reformados que integram o Movimento de Defesa do Ramal da Lousã, que reclama a reposição do transporte ferroviário nesta linha.
A organização denuncia ainda que «num quadro de preparação das empresas do sector ferroviário para processos de privatização, o governo quer destruir todos os direitos contratuais, em particular o direito ao transporte ferroviário de trabalhadores e familiares, existente há mais de 100 anos e que se insere nas diversas componentes de remuneração do trabalho, fruto de processos negociais decorrentes do direito constitucional à negociação colectiva nas empresas», lê-se em comunicado.
Outras formas de luta em marcha
Em reunião realizada dia 6 de Fevereiro na Casa do Alentejo em Lisboa, um conjunto de trabalhadores do sector dos transportes marcou também «uma semana de lutas a realizar na primeira semana de Março, nos termos e formas a definir em cada empresa e a terminar numa Manifestação Nacional, em Lisboa, dia 9 de Março, de trabalhadores e reformados do sector dos transportes e seus familiares», além de apresentarem uma petição pública à Assembleia da República em torno do direito ao transporte.
À Lusa, o coordenador da Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans), José Manuel Oliveira, referiu que as organizações do sector ferroviário iriam reunir-se na sexta-feira e que «poderão vir a anunciar outros protestos, nomeadamente outras lutas viradas para o interior da empresa, na forma de greves a decorrer na primeira semana de Março».
Algumas reacções externas
Neste dia de «Resistência e Luto da família ferroviária», o Bloco de Esquerda apresentou, na Assembleia da República, um projecto de resolução no qual reivindica que o governo «cumpra os direitos resultantes dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, nomeadamente o direito ao transporte ferroviário de trabalhadores e familiares».
Outras associações de trabalhadores e movimentos sociais exprimiram a sua solidariedade com os ferroviários – veja-se por exemplo o comunicado do MSE (Movimento Sem Emprego).
De facto o Governo e a Assembleia da República parecem estar em vias de estabelecer um novo padrão de interferência na livre negociação colectiva, suspendendo acordos colectivos ou estabelecendo regras à margem da negociação entre as partes interessadas, como se viu no caso dos trabalhadores da estiva, bancários e outros. Recorde-se que a interferência dos poderes instituídos está prevista na Constituição, mas no sentido de defender a parte mais fraca (os trabalhadores) e apenas quando necessário – o que não tem sido o caso.