por Mariana Marques
2012 foi um ano que ficou marcado pelos protestos dos portugueses na luta pelos seus direitos e por um Estado social mais justo. Numa altura de mais austeridade e cortes, em que o clima de consternação e de crise é cada vez maior, as manifestações em 2013 serão, certamente, uma constante. A saída da população à rua, em vários pontos do país, no próximo dia 2 de Março, será uma prova disso.
Contra as medidas de austeridade impostas pela troika e contra a situação de crise em que se encontra o país, movimentos de cidadãos voltaram a organizar várias manifestações simultâneas. Em Lisboa, o protesto decorrerá entre o Marquês de Pombal e o Terreiro do Paço, a partir das 16 horas. Sob o lema «Que se lixe a troika, o povo é quem mais ordena!», foram convocados através do Facebook, manifestações em 23 cidades do país: Beja, Braga, Caldas da Rainha, Castelo Branco, Coimbra, Chaves, Covilhã, Faro, Funchal, Guarda, Horta, Leiria, Lisboa, Loulé, Marinha Grande, POnta Delgada, Portimão, Porto, Santarém, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu. No estrangeiro, os portugueses também vão protestar contra a política do actual governo: há manifestações a decorrer em Boston e em Londres.
Na última semana, os promotores da manifestação têm organizado várias acções públicas de surpresa (flash mobs) apelando à participação da população. Na Assembleia da República interromperam o discurso do primeiro-ministro, cantando «Grândola Vila Morena», em 15 de Fevereiro. Em Vila Nova de Gaia, num debate, o ministro Miguel Relvas foi interrompido pela mesma canção no dia 18. Também o ministro da Saúde, Paulo Macedo, no preciso momento em que iria discursar num debate na Aula Magna da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, foi interrompido por um grupo de pessoas que cantou a música de José Afonso, prosseguindo depois com várias palavras de ordem. No dia 19, Miguel Relvas, convidado a discursar num evento comemorativo dos 20 anos da TVI, foi vaiado e teve que sair da sala perante os gritos dos estudantes, que empunhavam cartazes da manifestação de 2 de Março próximo.
Esta manifestação é organizada pelo movimento «Que se lixe a troika», que promoveu em 15 de Setembro de 2012 a manifestação a maior em Portugal após 1974, que contou com um milhão de pessoas na rua em várias cidades. Os organizadores desta iniciativa afirmam que o Orçamento de Estado de 2012 e as novas propostas do FMI vão «contra os direitos do trabalho, contra os serviços públicos, contra a escola pública e o Serviço Nacional de Saúde, contra a cultura», conduzindo à precariedade, ao desemprego, à fome, à emigração. Vão ainda mais longe, dizendo «não aguentamos mais o roubo e a agressão», exigindo a demissão do governo e «que o povo seja chamado a decidir a sua vida». Acusam a troika de «condenar os sonhos à morte, o futuro ao medo, a vida à sobrevivência». O objectivo é a mudança.
Outro movimento que se junta a esta manifestação é a APRE! (Associação de Aposentados Pensionistas e Reformados) que tem como objectivo defender os direitos dos aposentados, pensionistas e reformados;. Na manifestação «Que se lixe a troika, o povo é quem mais ordena!», a APRE! vai lutar contra os cortes nas pensões, contra o aumento das taxas moderadoras e da carga fiscal. A falta de uma estrutura que represente os reformados, Aposentados e Pensionistas, levou à criação, em Novembro passado, de um «amplo movimento cívico, de protesto e reivindicação, à margem de qualquer organização política e sindical, de forma a garantir os seus direitos consignados na Constituição».
Quem também vai marcar presença é a SOS Racismo, associação que luta contra a xenofobia e o racismo. A SOS Racismo alerta para a nova lei da imigração aprovada em 2012, cujo «objectivo é claro: facilitar ao máximo a expulsão dos e das imigrantes e criminalizar a imigração». Com a nova Lei são reforçadas medidas privativas de liberdade e são reduzidas garantias de defesa e de acesso à justiça. Esta lei institui medidas administrativas de privação da liberdade, sem respeitar os direitos fundamentais dos filhos de imigrantes, permitindo a separação dos mesmos como consequência do não cumprimento de procedimentos e regras meramente administrativas. A Associação invoca ainda o «desmantelamento do Estado Social, a estigmatização dos desempregados, dos beneficiários de rendimento social de inserção, dos imigrantes, das minorias, dos pobres e dos mais desfavorecidos», como motivos que a levam a apelar à participação na manifestação.
Marés pela educação e pela saúde
Além destes, outros movimentos convocaram manifestações que irão convergir na manifestação principal. A manifestação «Maré da Educação» inicia-se em frente ao Ministério da Educação, em Lisboa, pelas 14 horas e tem como objectivo unir pais, alunos, professores e pessoal não docente na luta contra os cortes na escola pública. O Movimento Escola Pública defende que «sem educação de qualidade não há país que sobreviva à crise», alertando que os cortes não devem ser feitos na educação, principalmente num país onde a taxa de licenciados é muito baixa e onde as propinas são das mais elevadas da Europa. Argumentam: «Não foram os alunos, nem as famílias, nem os professores, os responsáveis pela dívida que aumenta todos os dias e cujo abuso dos juros anuais supera o orçamento para a Educação».
A manifestação «Maré Branca», que junta profissionais de saúde e utentes do SNS, começará por volta das 14,30 horas, na Maternidade Alfredo da Costa, em Picoas. Com o lema «O SNS não se vende, defende-se!», os organizadores defendem que o Serviço Nacional de Saúde significa «democracia e o mais importante factor de coesão social, porque permitiu que todos os portugueses possam ter acesso a uma saúde de qualidade, independentemente da origem social e capacidade económica». Acusam a austeridade de estar a matar o SNS através do aumento das taxas moderadoras, da falta de medicamentos, do aumento da mortalidade infantil e da mortalidade materna. Criticam, também, o estado frágil dos profissionais de saúde: corte nos ordenados, aumento de impostos, desemprego. E lembram que «na zona euro o SNS é dos que gasta menos em percentagem do PIB e com os melhores resultados, por isso dizemos: o SNS é sustentável!» Depois, a maré branca irá juntar-se à manifestação «Que se lixe a troika, o povo é quem mais ordena!», num claro protesto de revolta contra o Governo português.