Atentados aos direitos humanos nos Centros de Internamento de Estrangeiros revoltam sociedade espanhola

13-01-2013


«Os imigrantes não são mercadoria». Foto de Antonio Medina

O passado mês de Dezembro trouxe novo fôlego na duradoura luta de várias dezenas de organizações não-governamentais a favor do encerramento dos Centros de Internamento de Estrangeiros (CIE), em Espanha. As mortes de Idrissa Diallo e Samba Martínez, há cerca de um ano, despertaram a solidariedade de cerca de cem grupos ligados a causas humanitárias e sociais, que têm encetado uma luta contra a vigência destes centros de detenção, considerando-os ilegais e inconstitucionais, por violarem os direitos essenciais dos retidos. Os protestos e as jornadas de reflexão e sensibilização estão na base da acção contestatária dos movimentos, que exigem um novo regime de internamento que defenda e proteja os direitos dos imigrantes ilegais.

A luta não é recente e antecedeu largamente o período eleitoral que legitimou Mariano Rajoy como o novo primeiro-ministro de Espanha. Na altura, em Novembro de 2011, um abaixo-assinado levado a cabo por quatrocentas organizações sociais clamava «Ponham fim aos nossos Guantánamos!», numa analogia bem crítica aos oito centros espanhóis de detenção de imigrantes. O ataque à dignidade e à legalidade desses mesmos centros acicatou-se com a morte dos imigrantes ilegais Idrissa Diallo e Samba Martínez, em condições suspeitas e pouco explicitadas pelas autoridades espanholas. Idrissa Diallo, imigrante guineense de 21 anos, que segundo testemunhos de companheiros de cativeiro gemeu de dores durante toda a noite, faleceu na madrugada do dia 6 de Janeiro de 2012, sem qualquer assistência médica, no centro de internamento em Barcelona. As organizações Papeles y Derechos Para Todos, SOS Racismo e De Bat a Bat, que denunciaram a morte de Idrissa, apontaram a arbitrariedade da investigação do processo como um grande entrave ao apuramento das responsabilidades. No caso da congolesa Samba Martínez, de 34 anos, os responsáveis médicos do centro de internamento de Aluche, em Madrid, ignoraram por nove vezes pedidos de ajuda por parte da imigrante, que veio a falecer seis horas depois de dar entrada no hospital, com cefaleias, gases, dores de garganta e mal-estar generalizado. A inoperância governamental indignou os vários organismos defensores dos direitos humanos, como as associações Pueblos Unidos, Médicos del Mundo, Asociación Española para el Derecho Internacional de los Derechos Humanos ou a Federación Estatal de Asociaciones de SOS Racismo, que denunciaram os inexistentes cuidados médicos, a falta de transparência jurídica e processual e a total inadequabilidade dos centros de detenção a um Estado de Direito, democrático e protector dos Direitos do Homem.

A revolta corporizou-se num debate que ganhou espaço na opinião pública espanhola, e tem, progressivamente, dado passos firmes em direcção a uma maior sensibilização em relação aos Centros de Internamento para Estrangeiros e à sua opaca actuação. Mergulhados em secretismo, os centros de detenção dos imigrantes ilegais, os chamados «sem papéis», vieram à tona da discussão política e social através do empenho conjunto do tecido não-governamental com fundações humanitárias, como a Asociación pro Derechos Humanos de Andalucía, a Institute for Race Relations, a organização Pueblos Unidos e o Grupo de Investigación y Acción de Migraciones y Controles, que em sintonia elaboraram as «Jornadas Anuais para a Prevenção e Denúncia da Tortura», numa acção de esclarecimento e análise das atrocidades perpetradas aos imigrantes ilegais do Magrebe no âmbito do controlo fronteiriço; de crítica à falta de apoio jurídico e de salvaguarda dos direitos a que os imigrantes estão sujeitos aquando do seu cárcere, e de ataque contra a política persecutória que o governo tem imposto aos imigrantes presentes no país. Rafael Lara, porta-voz da Asociación pro Derechos Humanos de Andalucía, aponta o enfraquecimento democrático como causa deste cenário: «O desprestígio dos partidos e da política está a chegar a níveis nunca antes vistos desde a instauração da democracia em Espanha. Um dos perigos é o incremento das opções populistas e xenófobas».

A plataforma «Salvemos a Hospitalidade», projecto da Pueblos Unidos, junta-se às críticas ao governo, nomeadamente no projecto de lei que visa criminalizar quem acolher na sua casa imigrantes sem documentação em dia: «Assina a petição e pede ao governo que corrija este artigo desafortunado, e não criminalize quem se comporta como humano. A assistência humanitária e a solidariedade não se podem penalizar», pode-se ler no apelo que o grupo faz no seu site na Internet. A censura feita aos centros de internamento é partilhada também pela associação Médicos del Mundo, que através da sua responsável pelo departamento de comunicação, Celia Zafra, assume uma posição inequívoca: «Denunciamos que a deficiente atenção médica nos centros é generalizada. Denunciamos também que o projecto de regulamento destes centros, apresentado pelo Ministro do Interior no passado Junho, longe de providenciar os mecanismos que garantem os direitos das pessoas retidas, consolida sim a privação dos direitos e as lamentáveis condições de confinamento». Outro dos aspectos focados pelas críticas prende-se com a presença de força policial dentro dos complexos de internamento, que não se coaduna com os regulamentos previstos para as funções daquelas infra-estruturas, já que os detidos não são considerados criminosos: «Não se pode ter a polícia todo o dia lá dentro porque aquelas pessoas não cometeram nenhum delito mas sim uma falta administrativa», afirmou María Luisa Cava de Llano, responsável, à data das trágicas mortes, pelo órgão espanhol Defensor do Povo, equivalente ao português Provedor de Justiça. No seu estudo anual de 2011, o órgão reporta claras violações procedimentais, indicando «não existir separação entre os detidos penais e os detidos por infracções às leis de imigração», revelando a desregulamentação e falta de supervisão estatal a que estes centros estão entregues, misturando, no mesmo lugar, criminosos e imigrantes, como se do mesmo estatuto se tratasse - «Dá-se o paradoxo de termos pessoas imputadas por delitos graves soltos e pessoas sem papéis presas», conclui Norma Falconi, porta-voz da Papeles y Derechos Para Todos.

A Plataforma «Encerrem os CIE» e os apoios da sociedade civil

Na senda deste «racismo implícito e dissimulado», como o intitula a Federación Estatal de asociaciones de SOS Racismo, sublinhando a complacência institucional do Estado na situação, uma plataforma de intervenção social foi criada, com o intuito de divulgar as ilegalidades que caracterizam a existência destes centros de detenção, designados de CIE. O movimento de origem catalã «Tanquem els CIE» (Encerrem os CIE) é a sinergia entre mais de cem organismos humanitários e sindicais espalhados por todo o país, que convergiram para apoiar e dar impulso ao manifesto que rejeita a continuidade dos centros de detenção. Com a adesão dos sindicatos como a Comisiones Obreras, a Unión General de Trabajadores, a Confederación General del Trabajo e a Unio de Sindicats de Treballadors de L’ensenyament de Catalunã, e o apoio mobilizador dos partidos de génese catalã Iniativa Per Catalunya Verds e Candidatura d’Unitat Popular, a plataforma tem organizado ao longo dos últimos meses várias jornadas de análise afectas ao tema, acompanhadas por manifestações no âmbito da «Campanha pelo encerramento dos CIE», que juntou centenas de pessoas em marchas pacíficas, em que as frases de ordem são: «os imigrantes não são mercadoria», ou «nem regularização nem privatização, queremos o fecho definitivo dos CIE», em resposta à proposta do governo de concessionar os centros à gestão de empresas privadas.

As jornadas de reflexão, ocorridas no Colégio de Advogados de Barcelona, em Março, e na Universidade Pompeu Fabra de Barcelona, em Dezembro, foram secundadas por manifestações que deram corpo, nas ruas, à indignação. O manifesto, intitulado «Cerquemos o CIE», abre com a pergunta «Mudar o nome para que tudo fique igual?», apontando o dedo à inacção do governo de Rajoy, e afirma que alterar o nome para Centros de Estância Controlada de Estrangeiros em nada mudaria o estado actual de coisas: «O governo incumpriu o compromisso de tomar medidas que garantissem os direitos dos detidos», acrescentando que «o regulamento, redigido à revelia das reclamações das organizações sociais e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, consolida o modelo de gestão policial e continua sem garantir o fecho destes centros e o respeito dos direitos».  O manifesto termina com um apelo forte em memória das vítimas mortais: «Para que não haja mais mortes no muro da vergonha. Por uma saúde universal. Porque nenhuma pessoa é ilegal. Para ninguém seja privado da sua liberdade por não ter documentos».


15 de Dezembro de 2012, Campanha de encerramento
dos Centros de Internamento para Estrangeiros

A manifestação convocada para dia 15 de Dezembro, na Praça Espanya-Gran Via, Barcelona, juntou trezentas pessoas, que finalizaram a marcha no Polígono Industrial da Zona Franca, nas imediações do centro de detenção de imigrantes da Catalunha. Quanto às jornadas de discussão sobre a problemática dos CIE, que contaram com o auxílio Grupo de Investigación y Acción sobre Fronteras y Controles e da Cátedra UNESCO de Estudios Interculturales da Universidade Pompeu Fabra, tiveram a participação de Carlos Arce, da Asociación pro Derechos Humanos de Andalucía, que discursou sobre a vitória que simbolizou o encerramento do centro de Málaga, ocorrido em Junho passado, e de José Palazón, activista dos direitos humanos na fronteira hispânico-marroquina, que avisou existirem violações de direitos básicos também nos Centros de Estância Temporal de Ceuta e de Melilla, no Norte de África. Também as mortes de Idrissa e Martínez mereceram análise, sendo contextualizadas no clima xenófobo que ganha terreno no país: «Um ano depois das mortes nos CIE de Madrid e Barcelona; depois de inundadas as redes sociais, as ruas e a imprensa com a exigência do encerramento dos CIE; depois de incumpridas as promessas do governo em acabar com este limbo legal, continuamos a ter milhares de detidos e deportados, de forma arbitrária e por motivos racistas», afirma a plataforma «Tanquem els CIE» no seu site oficial.

Paralelamente a estas jornadas, também os escritórios de advogados activistas têm desempenhado um papel fundamental no auxílio a imigrantes «sem papéis», providenciando ajuda jurídica, aconselhamento e alertando para as irregularidades processuais que vêm violando os direitos destas pessoas: «No mínimo, deviam ter os mesmos direitos que aquelas que estão submetidas a um regime penitenciário. Digo mínimo porque, ao não existir um regulamento para os centros de internamento, as pessoas que lá estão não têm sequer os direitos que os presos têm», explica Sergí Santacana, do Colégio de Advogados de Barcelona, jurista especializado no tema da condição jurídica do imigrante.  

A verdadeira realidade dos Centros de Internamento

 «A globalização capitalista defende a mobilidade sem obstáculos do capital, (…) mas tenta evitar que a mesma norma se aplique a seres humanos», argumenta Carlos Taibo, escritor, editor e professor de Ciência Política. No prólogo que introduz o estudo «Voces desde y contra los Centros de Internamiento de Extranjeros», realizado pelas organizações Médicos del Mundo Madrid, SOS Racismo Madrid e pela Ferrocarril Clandestino, o escritor define o propósito essencial do documento: «Nestas páginas figuram os maus tratos e as condições infames, o amontoamento, a falta de comunicação e o isolamento, o racismo em algumas das suas manifestações mais abjectas, a falta de defesa jurídica, a precariedade dos mecanismos de supervisão, e claro, a repressão». Dos vários centros – Sangonera la Verde (Murcia), Barranco Seco e La Isleta (Las Palmas Gran Canarias), Zapadores (Valência), Hoya Fria (Tenerife), El Matorral (Fuerteventura), Zona Franca (Barcelona), La Piñera (Algeciras), Las Canteras (Laguna), Port de Almeria (Almeria) e Aluche (Madrid) – apenas oito se encontram sujeitos à tutela do Ministério do Interior, reinando nos outros uma falta de regulamento jurídico-institucional ainda, à qual se juntam outros, de carácter temporário, improvisados para albergar uma maior quantidade de detidos.


Interior das instalações do centro de Aluche, Madrid. Foto de Jesús G. Pastor

Estes centros de carácter não penitenciário têm como função reter, preventiva e temporariamente, imigrantes ilegais a quem tenha sido dada ordem judicial de expulsão. Mas a realidade é bem diferente e dá testemunhos cabais do atropelo total a que os CIE submetem as pessoas detidas; o trabalho elaborado, no terreno, pelas organizações não-governamentais, dá voz àqueles que, «por medo, por não ter a sua situação regularizada ou por terem sido expulsas do território espanhol, não tiveram oportunidade de denunciar as violações a que foram sujeitos», pode-se ler no documento. As questões fundamentais são prioritariamente elencadas, sendo os CIE descritos como um «perverso mecanismo de controlo de fronteiras através do medo»: «Como é que o sistema sancionador espanhol não salvaguarda as garantias mínimas de um Estado de Direito? Como é que o nosso ordenamento permite a existência de Centros de Internamento? Porque é que esta Europa, que se presume ser o reduto global dos direitos sociais, não só não denuncia estas violações como lhes dá cobertura jurídica?». De facto, as respostas tardam em aparecer, quanto mais a ser contundentes e inequívocas, a inquisições tão básicas e simples. Apesar do relatório da Comissão do Parlamento Europeu para as Liberdades Civis, em 2007, ter censurado a existência dos centros de Espanha, apontando-os como centros de regime aparentemente penitenciário com condições deploráveis, tardam em surgir medidas que visem a reavaliação da situação actual, onde existem «cidadãos de primeira e cidadãos de segunda», sendo «contrário aos princípios de um Estado de Direito, por não se reger pela princípio de igualdade», como afirma o estudo.

As violações dos direitos mais essenciais

Desde a total ausência de apoio e aconselhamento jurídico, à falta de intérpretes que possam traduzir informações básicas e à falha em garantir uma tutela mínima dos direitos individuais, podemos encontrar de tudo dentro do espectro ilegal e desumano que estes centros propiciam. Desde o início do processo de detenção, que muitas vezes nem passa pela apreciação de um juiz de instrução, à inexistência de procedimentos de queixa por parte dos detidos, a tudo pode estar sujeito um imigrante ilegal quando dentro destes complexos verdadeiramente punitivos: «Não te explicam nada, só pedem que assines, assines, e nós sem saber o que estamos a assinar. Sentimo-nos pressionados e tens de fazer o que te dizem. Certamente que assinei a carta de internamento sem saber de nada…», recorda Esther (nome fictício), imigrante hondurenha, detida em Novembro de 2008. «Nenhum polícia me perguntou se queria chamar a família, ou sequer ler-me os direitos, nem me deram número de detido», conta Ricardo (nome fictício), imigrante boliviano.


Pátio do centro de Aluche, Madrid. Foto de Jesús G. Pastor

No parecer do SOS Racismo, do Ferrocarril e do Médicos del Mundo, estes centros são, de forma explícita, autênticas prisões em todos os sentidos: «Na totalidade dos casos, preservam todas as características arquitectónicas e de funcionamento das prisões - separação em unidades e módulos, pátios internos pequenos, invisíveis aos olhos dos cidadãos; câmaras no perímetro exterior e no interior, corredores extensos com celas em ambos os lados, divisão dos espaços interiores feita com grades de segurança, janelas gradeadas, postos de controlo policial, zonas de visita com vigilância permanente». De facto, as condições de habitabilidade são extremamente precárias e reduzidas, «um buraco com três janelas de cada lado, seis no total, com seis celas», como descreve Rosario (nome fictício), proveniente da Bolívia e detida em Aluche. «Vivemos empacotados, dormimos uns em cima dos outros, não há espaço para dormir, comer, por vezes nem talheres há», confirma Maria (nome fictício), equatoriana. Muitos dos detidos vêem-se obrigados a dormir no chão, como conta Ricardo: «No dia em que cheguei, a maioria dos marroquinos estava a dormir no chão».

As condições degradantes, o desrespeito pela privacidade (muitos dos presos têm de fazer as necessidades fisiológicas à vista de todos os outros) e a total indiferença quanto à saúde dos detidos são também corroborados pelas declarações destes, em entrevista para a obra «Voces desde e y contra los Centros de Internamiento de Extranjeros». A monitorização constante é feita por polícias e câmaras, e para além do desrespeito contra a privacidade, também os maus-tratos e as injúrias são usuais: «Escutei um polícia dizer que o respeito se ganha com maltrato», diz Maria (nome fictício) à Radio Almenara, no segmento «Sin Fronteras». Os abusos são múltiplos: «Fumigam as celas connosco lá dentro», revela Maria; «As agressões são sempre nas celas, onde não há câmaras», refere Ricardo, introduzindo o tema das brutais condutas dos funcionários públicos presentes nos CIE: «Foram directamente onde ele estava e deram-lhe pontapés e golpes. Um abriu a porta e disse-nos: se algum de vocês falar, ainda será pior...», narra Jaime (nome fictício), hondurenho detido em 2008, completando a descrição do clima ameaçador e impune que caracteriza o centro de Aluche: «Intimidam-nos a toda a hora, porque, como eles dizem, estás nas nossas mãos, aqui podemos fazer o que nos dá na gana». Além da permanente tensão e do medo instalado por membros com funções públicas, como a polícia, os actos não se cingem às simples agressões físicas, sendo normal a aplicação de castigos: «A um chileno colocaram-no uma semana num calabouço obscuro, segundo nos contou ele. Disse que mal comia», desvenda Ricardo. Já Pablo (nome fictício), detido que foi clinicamente acompanhado pelos Médicos Del Mundo, conta que a sua condição era ignorada pelos responsáveis do centro, e que por mais de uma vez teve de fazer as necessidades dentro da cela, urinando e defecando nos lavabos, e por uma vez, no prato da própria comida.

A gritante inconstitucionalidade que cobre estes centros e a sua oculta prática é sublinhada pela professora catedrática de Direito Penal, Margarita Martínez Escamilla, que alude à Constituição para explicar que nenhum destes centros de detenção pode socorrer-se de qualquer medida punitiva ou de sanções judiciais, pois a lei prevê tal ocorrência somente na sequência de crimes, defendendo também que o director do centro terá sempre de contactar e indagar o juiz de instrução do caso, sempre que quiser tomar qualquer medida preventiva em relação ao detido. Quanto ao direito, previsto no regulamento prisional espanhol, de juntar, na mesma prisão e no mesmo piso, progenitores e seus filhos menores, esse não é aplicado nem seguido nos CIE, segundo testemunhos dos residentes do centro de Aluche.  


Sistema de videovigilância do centro de Aluche, Madrid. Foto de Jesús G. Pastor

No que toca às minorias étnicas, não existem limites para os comentários racistas, xenófobos, e para os comportamentos desavergonhados e prepotentes de que são alvo: «Tratam os negros como tratam os cães. Mali, Senegal, Nigéria…tratam-nos mal», diz Johnny (nome fictício), imigrante natural da Nigéria detido em 2008. Esther, por seu turno, confirma o racismo primário de que até as mulheres são vítimas: «Dizem que somos todas umas prostitutas. Dizem normalmente que todas as latinas quem vêm para aqui são prostitutas». O sentimento de impunidade levou, inclusivamente, a graves indícios de abusos sexuais no centro de internamento de Málaga em 2006, encerrado por falta de condições de segurança, no Verão de 2012. O processo, apontado como a «ponta do icebergue» por José Luis Rodriguez Canela, advogado de acusação e coordenador da equipa jurídica da organização Andalucia Acoge, tem como réus cinco agentes da polícia e terá início em Outubro deste ano. Referindo-se ao CIE malaguenho, Canela afirmou que «nada o controlava, era absolutamente opaco. Não se permitiam o seu acesso por parte das organizações não-governamentais». Tal opacidade e regime restritivo não se cingiam na altura ao centro de Málaga, como actualmente incluem todos os centros de detenção em actividade. O expoente máximo desse exemplo ocorreu em Janeiro de 2012, quando as autoridades policiais impediram a entrada de representantes de organizações não-governamentais (tendo estes a permissão do Secretário de Estado da Segurança) no centro de Aluche, em Madrid.

A complacência institucional além-fronteiras

Apesar dos enormes esforços conjuntos feitos pelas comunidades e organismos humanitários por toda a Europa, de que é exemplo o projecto DEVAS (Civil Society Report on the Administrative Detention of Vulnerable Asylum Seekers and Illegally Staying Third-Country Nationals), financiado parcialmente pelo Conselho Europeu, e desenvolvido, em Espanha, pela  Comisión Española de Ayuda al Refugiado, a indiferença e a conivência das instituições europeias tem sido uma das premissas mais críticas em todo o processo de crescimento da xenofobia dentro do continente europeu. A crise das dívidas soberanas, as políticas de austeridade, o desemprego e a proliferação de uma depressão social progressivamente generalizada, têm vindo a servir de tónico para a ascensão de ideologias intolerantes e em muitos casos de carácter racista, que vêem no isolamento, no nacionalismo exacerbado e no combate ao estrangeiro uma forma de «expiar» os males a que a Europa parece estar condenada, no momento actual. O paradoxo de um continente aberto entre si, promotor do livre-trânsito e da união, mostra o novo inverso de si: um continente cada vez mais fronteiriço, mais demarcado no seu interior; um continente que aprovou a chamada Directiva da Vergonha, que criminaliza o imigrante ilegal e banaliza as políticas de detenção, propiciando excessos e abusos de todo o tipo, como os testemunhos e relatórios bem ilustram.  A directiva, aprovada em 2008, contém retrocessos sócio-culturais e esquece que o contexto global de interdependência, tão preconizado pelos interesses económicos e financeiros, não se define simplesmente pela bitola dos países ditos desenvolvidos: as guerras civis, as ocupações, as perseguições – políticas, étnicas e religiosas – a fome e a pobreza extrema, são realidades que circundam a União Europeia e que não podem ser simplesmente ignoradas. A passividade das embaixadas não deixa de ser, igualmente, um atentado aos direitos humanos. A aposta na repressão apresenta, pela voz das vítimas, o seu resultado mais perverso.   

Fontes

APDHA (Asociación Pro Derechos Humanos de Andalucía-Cádiz) : Las políticas frente a la crisis acaban con los Derechos Humanos (10/12/2012)

Miguel Ahumada: Organizações pedem fechamento dos Centros de Internamento de Estrangeiros (10/11/2011)

Pueblos Unidos: Superadas las 30.000 firmas ¿Nos ayudas a conseguir más? (10/01/2013)

Médicos del Mundo: Centros de Internamiento de Extranjeros (CIE): dos muertes sin respuesta

Canal Solidario:
Por el cierre de los Centros de Internamiento de Extranjeros. ¡Ni una muerte más! (27/02/2012)
¿Cuántos CIE hay en España? Vuelva usted mañana... (14/09/2010)

Univ. Pompeu Fabra: Jornadas de formación, reflexión y acción sobre los Centros de Internamiento de Extranjeros (12/12/2012)

Periodismo Humano:
Protesta contra los Centros de Internamiento de Inmigrantes (14/12/2012)
Juicio a las fiestas con abusos sexuales en CIE de Málaga siete años después (20/12/2012)

Sol Imigrante: DIRECTIVA DA VERGONHA aprovada pelo Conselho da UE (10/12/2008)

Tanquem els CIE:
15D Rodeemos el CIE (5/12/2012)
EL 15D RODEEMOS EL CIE  (12/12/2012)
Jornadas anuales para la Prevención y Denuncia de la Tortura: 23 y 24 de marzo (21/03/2012)

Tercera Información:
El Defensor del Pueblo denuncia en su Informe Anual de 2011 el caos de los CIE  (5/07/2012)
SOS Racismo alerta del aumento del racismo implícito y de la reducción de derechos del colectivo inmigrante en el Estado (7/07/2012)

Legal City: 
Los abogados de Barcelona denuncian la falta de derechos de los inmigrantes “sin papeles”  (12/01/2012)
Centro de Internamiento para Extranjeros de Barcelona: Cárceles de “Sin Papeles” (12/01/2012)

El País Catalunya: Cientos de personas piden el cierre del centro de extranjeros de la Zona Franca (15/12/2012)

El Diario: La lucha contra los CIE recupera fuerzas (12/12/2012)

20 Minutos: 148 entidades reclaman que se cierre el centro de inmigrantes de la Zona Franca de Barcelona (19/01/2012)

El Ferrocarril Clandestino: Informe de Pueblos Unidos sobre el CIE de Aluche (20/12/2010)

El Ferrocarril Clandestino, Médicos del Mundo e SOS Racismo Madrid: Informe 2009 – 2010 «Voces desde y contra Los Centros de Internamiento de Extranjeros»

Comisión Española de Ayuda al Refugiado (CEAR): Informe Técnico 2009 «Situación de los Centros de Internamiento para Extranjeros en España»

Pueblos Unidos: Informe 2011 sobre el CIE de Aluche «Miradas Tras Las Rejas»

Artigo baseado em informação proveniente de movimentos sociais.
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